segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
O que fica é a lembrança
Foi anteontem. O despertador tocou como de costume. Liguei o automático. Levantei, peguei as toalhas, fiz uma análise detalhada do clima e conferi se, por acaso, chuvas esparsas fariam parte do dia. Tudo isso influencia no modelito, você sabe. Liguei o chuveiro, senti a água quente castigando o corpo gelado. Choque térmico, arrepio na nuca, shampoo na cabeça. Lembrei de uma música que gosto, cantei baixinho. Mais uma rodada de shampoo e finalmente o condicionador se atravessou no caminho. Dois minutinhos e pronto, tirei tudo. Tem que enxaguar até o cabelo fazer o barulho-de-limpo. Sabonete, muita espuma, cheiro bom invadindo o banheiro. Aí eu tive uma ideia para um texto. Mandei ela se segurar, esperar eu desligar o chuveiro, me secar, tirar o excesso de água do cabelo, passar o leave-in, o creme para o corpo, o creme para a celulite, o creme para os pés, o desodorante e me vestir.
Nada feito. Minha memória é fraca, tenho amnésia temporária. Não sei se é doença crônica ou uma coisa passageira, mas minha memória não me sustenta. Ela é meio seletiva, escolhe o que entra no sistema. Isso me deixa furiosa. Terminei de me vestir, comecei a secar o cabelo e fui forçando a mente. Quase apelei pra agressão física, ameacei dar uns tapas, mas ela nem ficou com medo, mal se moveu, muito menos me entregou o que eu queria. Segui o dia.
Fui pra agência pensando que preciso me forçar a passar creme todos os dias. Em dias frios eu tenho preguiça e não passo, depois reclamo que a pele está ressecada. Desisti de brigar com a memória, resolvi deixar pra lá. Anotei em uma folha do bloquinho "passar creme todos os dias, senão depois tu fica choramingando que a bosta da pele tá seca, ô porcaria!". De vez em quando tenho que ter conversas sérias comigo. Cheguei no trabalho e estava bem desconfortável. Poxa, eu tinha tido uma ideia para um texto, como fui esquecer? Maldito banho, malditos cremes, maldita roupa, maldito secador, maldito shampoo. Passo a passo, recordei desde a hora em que coloquei o pé no banheiro. Lembrei da ideia. E, você pode não acreditar, mas o texto era sobre o poder da palavra escrita.
Amo cartas, cartões, bilhetes, frases coladas na parede. Qualquer manifestação escrita me atrai. Palavras me seduzem. De vez em sempre não sei falar, então escrevo cartas. Já escrevi muito para família, amigos e amores quando as palavras insistiam em fugir da minha boca. Na hora de escrever, é mágica, elas chegam, ficam e não querem mais sair. Escrevo muito, o tempo todo. Escrevo quando quero me desculpar, explicar, entender, demonstrar, viver. As palavras vivem para sempre, não as que saem da boca, mas as que entram no papel. Elas não morrem. E o mais importante é que todas as emoções podem ser revividas, basta uma leitura.
Releio o que me foi importante. Gosto, meu coração colore. Não é raro umas lagriminhas escaparem pelas frestas das minhas sardas. E eu me sinto bem. Reler uma carta é reviver uma época qualquer, mesmo que tenha sido a semana anterior. Quando escrevo uma longa carta para alguém prefiro que a pessoa me responda com uma carta também. Tem gente que resolve falar. Não gosto. Me comunico melhor através da escrita. Acho que meu coração só sabe ler, não sabe ouvir. Deve ser por isso que tenho a memória fraca e anoto palavras, frases, coisas. Assim tudo o que eu quero bem perto não foge de mim e não me perco. Fico pra sempre, escrita, marcada, relida e relembrada. E dessa maneira eu me reescrevo.
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Clarisse Corrêa
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