sábado, 23 de abril de 2011
Sujeira
O problema é que passa por um açougue desses com cartazes amarelos vendendo preços em vermelho. Com pombas em bando na porta, dando cabeçadas sujas no nada. A valeta seca acompanha o caminho dando um seco também no fundo da garganta. Ônibus bufando no ar carregado de pressas e tosses. Andar na rua pesa, fede, suja, convive. Ela sempre vai de carro. Em seu carro, ela tem um álcool gel que passa no volante para limpar os restos gordurosos das mãos de manobristas punheteiros e ranhentos. Tudo lhe dá nojo. Começou aos poucos com isso. E foi piorando. A doença é sim arrogante e preconceituosa, mas o mundo segue sambando, suando, escarrando. Enquanto ela se resguarda e se alimenta em sua maldade higiênica. A solidão desinfetada. Mas de dentro dessas bolhas macabras cheias de regras maníacas de um cérebro doente, ainda bate alguma coisa desritmada, vez ou outra, lhe dando escuros impulsos de vida. Um prolapso de desejo. E essa coisa bateu quando ela o viu. O fundo do seu peito exala um azedo de cocaína no sangue. Ele colocou a musica que dilacerava seu coração e, ao vê-la em prantos, só foi capaz de aumentar o som. Naquela noite ele estava especialmente sujo. Ele sumiu e voltou com um pentelho loiro grudado no suor da testa. Seu pulso fedia vodka, cigarro e carne mole. Fedia um coração apodrecido pelos seus desejos noturnos. Ele agarrou no braço de uma morena corcunda que não sabia estar sendo solicitada por um deus. Ele é meu deus, ela pensou quando se sentiu correndo bem rápido de sua gaiola. Voando bem rápido de sua ratoeira. Sempre que ser bicho vem é tão novo que não se sabe ao certo encaixar as coerências. Ela vai até ele e enfia seu dedo dentro de sua orelha. Eu gosto de mulheres altas e magras, ele diz. Eu não gosto de você. Ela vai até ele e esfrega o osso da sua bacia. Eu não gosto de você, ele diz agora misturando ódio com delicadeza. Ela vai até ele e faz pra cima e pra baixo com a mão, por cima da calça. Por que se humilhar? Essa pergunta os dois se fazem. Ambos envergonhados e enojados. Porque é tudo tão chato, é tudo tão limpo, o certo fica errado de repente, enquanto dormimos na falsa paz que nos carrega sedados de um dia para o outro. Porque o bonito, o puro, o quase infantil de tão feliz, o saudável, todos esses, todos são manchados de merda, de porra, de vômito, de cortes pequenos na perna com a faquinha da maçã. Tudo que pareceu estar indo, apenas voltou como uma dor que nunca me mata mas me faz voltar gorda de tremores e sarcasmos. Mas eu consigo gostar da sua sujeira, da sua impossibilitada excitada, do seu não retesado e apontando para o meu buraco eterno. Eu gosto de ser seu jamais porque tudo o que podia, nunca pode. Nós vamos mesmo fazer isso? Ele pergunta me virando contra a parede. Eu não quero ficar aqui mas também não quero voltar e muito menos quero ir. Então me sufoca só para eu sentir um pouco de alivio. O jogo de sedução das meninas que casam é a coisa mais podre de se fazer para uma pessoa cínica e em pânico. Porque eu sinto todas as hipocrisias de uma relação de uma maneira tão forte e alta e intensa que prefiro esse minuto em que eu enfio meu dedo na sua orelha e você, porque já são sete da manhã e só sobrou eu, enfia seu vazio duro no meu vazio endurecido. E nós sentimos um vazio terrível que nos violenta e nos separa pra sempre. Porque eu não sei amar, menino sujo, e nem você.
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Tati Bernardi
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