O que será que dói mais, perder um grande amigo ou um grande amor? Porque a gente aprende que, desde que nasce, deve procurar pelo príncipe encantado e, muitas vezes é fato, esse cara nunca vem. E amizades também têm assim, um pouco de amor no contexto. Virar amigo de alguém também tem muito a ver com se apaixonar, com acreditar no que aquela pessoa representa, em quem ela é. Conseguir um amigo fiél, que vai estar do seu lado quando o seu possível príncipe encantado fodeu sua vida ou quando você tem uma crise e não sabe mais – pela milésima vez – o que quer fazer da sua vida, muitas vezes é bem mais complicado do que encontrar amor.
A gente aprende com o tempo que, assim como as fases da nossa vida, os amigos passam às vezes. A sensaçao que dá, inclusive, é que algumas pessoas ficaram presas naquela parcela de passado que nosso cérebro é capaz de lembrar. A sua melhor amiga de primário; uma vez, nas férias, vocês resolveram brincar de cabalereiro e você acabou cortando metade da franja dela na metade da altura da texta – que já não era das menores. Ao invés de chorar, e percebendo que a mãe dela ia querer matar a sua e, possivelmente, vocês não poderiam ser mais amigas, ela sugeriu que você cortasse a sua também. E você cortou. Duas franjas tortas, problema e cumplicidade resolvidos.
Ou a sua melhor amiga do ginásio. Ela estava lá quando você menstruou, quando você se apaixonou pela primeira vez e, pela primeira vez, teve seu coração partido. Ela também estava lá quando você resolveu fugir de casa porque seu pai não te deixou sair à noite porque você ainda não tinha dezoito; mal sabia o seu pai que pra você, quinze era definitivamente o novo dezoito e, era só ele piscar o olho no sofá, que a sua identidade falsa ia passear com sua melhor amiga na Vila Olímpia.
Com sorte, sua melhor amiga do ginásio ainda era sua melhor amiga no colegial e, meio que inevitavelmente com o tanto de hormônios que correm nessa fase, vocês podem ter tido uma briga sem volta ou porque ela achou que você gostava do namorado dela, ou porque ela achou que você era muito mais magra que ela, ou porque, simplesmente, todos os motivos anteriores aconteceram e ela achou que a vida dela, agora, precisava de um rumo que não incluía você. E aí, alguns anos depois ela se arrependeu e resolveu pedir desculpas. Mas aí, veja, aí já era tarde demais porque amizades – assim como amores – são relações interpessoais que precisam não só de carinho, mas também de esforço pra que haja compatibilidade. Em amor ou amizade, só o sentimento, infelizmente, não é suficiente pra manter tudo de pé. Você tem de ceder e a pessoa tem de ceder também. Amizade, amor e qualquer coisa que liga a alma de duas pessoas exige, no mínimo, convivência e paciência.
Aí você vai pra faculdade e encontra seus novos amigos de infância, sem discriminação de sexo – inclusive literalmente. Você se sente mais adulta porque achou que descobriu finalemente o que quer fazer da sua vida e, no meio de muita gente nova, a empolgação te cega na hora de enxergar que, na vida, ninguém nunca tem certeza do que vai acabar fazendo com ela. Você faz mil amigos homens; e os que são bonitos, fazem você. E faz duas – com sorte -, três amigas que você vai carregar pra sempre. Elas passam pela fase da probreza universitária com você; aquela fase que você vai à pé ou de ônibus pra festa depois de ter estudado de manhã e passado a tarde no estágio não remunerado. O incrível dessa época é que, mesmo na pobreza, vocês pareciam conhecer todo mundo que precisavam conhecer em São Paulo, pra entrar em qualquer lugar sem precisar da moeda de troca usada pelos outros.
Aí a faculdade acaba e você – mais uma vez na dúvida do que fazer com a própria vida e agora, também, com a carreira que escolheu pra você – resolve mudar de país, largar mão de tanta festa e encontrar o amor. E assim você se enxerga depois de alguns meses, cheia de amor e sem amigos. Sem amigas. Não está completo.
Alguns anos depois, você e sua melhor amiga da faculdade têm o primeiro estranhamento. Você voltou mas as vidas de vocês andaram separadas. Amizade, como amor, precisa de dia a dia, precisa de “Como foi o seu dia?”, precisa de frescurinhas e cuidados pra não estremecer.
Meses de insistência depois, quando você quase conseguiu enfiar a amizade de volta no eixo, quando fez novas amigas de infância pra quem pôde ligar na hora que algum dos seus amigos deu em cima de você e te deixou surtada, ou na hora que sua chefe gritou com você no meio da redação e você correu pro banheiro, sentou na privada e ligou pra ela ao invés do seu namorado porque ela, diferente dele, não ia te mandar engolir o choro e ia te entender. Bem nesse momento então, a vida muda de novo, você muda de país de novo e, mais uma vez, suas amigas de infância de verdade, as de infância da faculdade e as de infância do trabalho ficam pra trás enquando você vai.
Aí você chega aqui, de novo com o amor que sempre precisa de manutenção, mas tendo a difícil tarefa de manter à distância as outras relações da sua vida.
Alguns amores começam de amizades, e alguns amores, terminam em amizade; ou pelo menos é isso que ouço dizer. Mas eu não acredito muito nesse estatuto que estipula regras de boas vizinhanças entre ex-namorados e, tampouco, naquele que estabelece que uma amizade entre homem e mulher – heterossexuais, obviamente – pode ser complemente imune do fator que todo mundo que já teve um grande amigo do outro sexo um belo dia encontra pela frente, a curiosidade.
O fato, e a desculpa pra esse texto sem propósito e tão bagunçado, é que só amizade e só amor, sozinhos, não conseguem suprir tudo o que a gente precisa. Você pode reclamar da melhor amiga pro namorado e pode – e vai – xingar o namorado de tudo o que precisar pra melhor amiga. Mas não, o namorado não pode ousar falar da melhor amiga e a melhor amiga nunca pode entrar muito no calor do momento e acabar xingando seu namorado.
No final, a nossa vida não muda de curso e nem pára de andar em frente pelos desejos de mais ninguém, além dos nossos próprios. E se a gente fez a burrada de ter uma cabeça avoada e um coração cheio de sonhos e vontades de conhecer o mundo, viver um grande amor e fazer grandes loucuras em nome disso, a gente têm que, também, aceitar que muitas vezes é possível perder quem se deixou pra trás.
Feliz das pessoas que nasceram com as cabeças nos lugares e resolveram amar só quem apareceu pela frente, nunca quem estava fora do alcance da vista.
Quanto à mim, meu coração continua por toda parte e minha cabeça não tem nem meios de ser mais bagunçada. Vai ver é por isso que jamais vou saber qual é a sensação de estar completa, sem sentir saudade de absolutamente ninguém.
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