quinta-feira, 31 de março de 2011

Só numa multidão de amores

Eles não estavam trocando juras de amor, não andavam de mãos dadas, nem se chamavam por nomes infantis. Não tinha pieguice romântica ali. Mas foi a cena mais doce que eu vi: dois olhares se encontrando. Não só se encontrando: se confortando, se sabendo, se completando. Eu notei que eles eram algo além de amigos, que se desejavam e se protegiam, e foi só pela cumplicidade dos olhos, que deixavam de ser dois e se enlaçavam quatro.
Eu quis então ter um olhar pra mim. Não alguém pra chamar de meu, como diz o clichê, como grita a conveniência, mas um olhar que fosse meu por puro encaixe. Foi um pouco de inveja, talvez. Eu soube naquelas duas pessoas que elas não se sentiam sozinhas ou perdidas. Que mesmo depois de um dia cheio e chato, tinham uma certeza de carinho. E eu quis. Quis algo além da rotina do trabalho e gente fabricada com seus narizes perfeitos e cabelos penteados. Quis algo certo como o frio na barriga e a respiração travada, o coração esquecendo de bater. Quis algo errado que me fizesse bem só por escapar do caminho óbvio de toda noite. Uma espera no fim do dia, sabe? Essa espera. Não a espera de uma vida toda sem saber o que buscar pra ser feliz. Só sair do dia igual pra ter uma noite diferente. E tornar esse diferente comum só porque é bom estar perto.
Todo o amor que eu sufoquei por excesso de razão agora grita, escapa, transborda. Estou só numa multidão de amores, assim como Dylan Thomas, assim como Maysa, assim como milhões de pessoas; assim como a multidão de amores está só, em si. Demonstro minha fragilidade, meu desamparo. Eu não procuro alguém pra pentencer e ter posse, só quero uma fonte segura de amor que não dependa das obrigações, das falas decoradas, dos scripts prontos. Eu sei que eu abri mão de várias oportunidades. Sei que fiz pouco caso do amor que me entregaram de maneira pura e gratuita, só porque eu achava que podia encontrar coisa melhor. Se as pessoas estão sempre indo e vindo, eu só queria alguém minimamente eterno em sua duração, que me fizesse parar de achar normal essa história de perder as pessoas pela vida.
Vou embora querendo alguém que me diga pra ficar. Estou sempre de partida, malas feitas, portas trancadas, chave em punho. No fundo eu quero dizer "Me impede de ir. Fica parado na minha frente e fala que eu tenho lugar por aqui, que não preciso abandonar tudo cada vez que a solidão me derruba. Me ajuda a levar a vida menos a sério, porque é só vida, afinal." E acabo calada, porque não faz sentido dizer tudo isso sem ter pra quem.
Eu não quero viver como se sobrevivesse a cada dia que passo sozinha. Não quero andar como se procurasse meu complemento em cada olhar vago. Eu acho que mereço mais que isso por tudo o que eu sei que posso fazer por alguém. E fico só esperando, na surpresa do dia que eu desencanar de esperar, um par de olhos que me faça ficar sem nenhuma palavra, nada além de dois olhos se enlaçando quatro. Nessa multidão de amores, sozinho é aquele que não espera.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Sobre você ir embora de vez

Vai até a esquina, mas não solta da minha mão. Foge de mim, mas me busca nesse seu abraço tão maior que eu.
Pode cortar meus assuntos, pode ficar vazio de repente. Eu sei que a culpa é só minha. Provoca minhas inseguranças, de tanto que eu já provoquei as suas. Pega meu ponto mais fraco e torce até sair minha última gota de orgulho. Esfrega bem na minha cara o que eu perdi e que logo vai ser de qualquer uma e que eu nunca mais vou ter. O que eu não sei ter.
Mostra que eu mereço ficar com um vácuo bem grande dentro de mim por não saber cuidar de uma coisa tão simples e tão pronta. Você nunca pediu mais do que eu podia dar e eu sempre quis mais, quis menos, sempre quis diferente. Você nunca exigiu nada de mim, só queria minha existência e eu não soube nem existir pra você.
Tem razão, você não tem que responder direito. Afinal, não fui eu quem acabei com toda e qualquer possibilidade de ter você longe da esquina e perto do meu coração? Tá certo, se protege da louca que só quer brincar com sentimentos enquanto não cresce, não tem seus próprios sentimentos.
Tá vendo esse coração podre aqui? Cabe muita solidão, mas o espaço de amor tá esperando um pouquinho pra amadurecer. Ele tem medo de acabar gostando da sensação e descobrir pra que serve de verdade.
Testa todo seu vocabulário monossilábico comigo. Testa meu limite pessoal, minha paciência, minhas paranóias... Eu ainda não posso ser o que você quer de mim. Eu posso ser essa metade que não encaixa, mas sabe falar por horas e completar frases bobinhas.
Você pode esquecer que por um tempo eu fui mais que todas as outras. Só não me deixe morrer em você, porque em mim você vai continuar vivendo. Com seu abraço maior que eu, com suas falas que sempre me deixaram sem ação, gostando mais de mim do que eu sei gostar de alguém. Sendo alguém além do que eu sei ter.
Acaba o texto pra mim. Sua inspiração vem e volta e a minha simplesmente não existe. Não me deixe morrer no papel. Não se afogue na tentativa de me deixar pra trás e não confunda me superar com me apagar. Não me apague nem me mate um pouquinho. Esquece o durante e o depois e refaz esse antes que eu gosto tanto. Eu só quero isso.
Me conquista todo dia, mas não queira me levar no final. Só volte pra folha em branco e caminhe com mais calma.

terça-feira, 29 de março de 2011

Se bastasse sentir

Estou perdendo a escrita. Vejo, aos poucos, as palavras me escapando do formato. Perco os argumentos, os artifícios, as ideias. Restam alguns conjuntos repetitivos de obrigações, quando o teclado me chama os dedos e, automático, escreve algo por mim.
Falo da vida como se fosse um verbo no passado, alguma coisa que costumava ser e hoje só me lembro. Falta tempo, falta apego, faltam laços e sobra essa mania de descrever o sentimento dos outros que não sabem dizer. Sobrevivo das lembranças, tão alheias e mais coloridas do que eram realmente, quando chamadas de presente. O que houve com o tempo de ser fútil? Cadê a leveza da sobra de tempo pra dormir depois do almoço? Tenho ficado velha e irritável, falta a paciência que só conviver com gente além do horário de trabalho cultiva dentro de mim.
Tenho fugido de papel e caneta. Escrever torna tudo real. Fico fugindo dos fatos, do futuro, dessas afirmações que são lógicas, mas injustas. A morte é muito injusta. As pessoas saindo de nossas vidas sem possibilidade de lutar contra, é injusto.
Eu não escrevo há mais de um mês e esse não é um bloqueio comum de criatividade. Tem dores que não devem ser verbalizadas. Tem dias que não devem ser escritos.

domingo, 27 de março de 2011

O que ninguém vê

Estão todos olhando a moça passar. Falam de seu corpo, comentam seu mistério, disputam sua atenção. Mas se a moça olha, mudam de assunto, se a moça pede ajuda, ninguém escuta e se quiser companhia - coitada da moça! - vai continuar só. É assunto na academia, atrai olhares no trabalho e quando sai de noite também. Mas ela dorme sozinha e tem um vazio no peito que ninguém tem vontade de ocupar. A Menina tem um coração pesado que ninguém quer carregar.

Quem olha de longe não percebe e quem não se aproximar nunca vai saber: a Menina gosta livros e Jazz, queria saber dançar, troca uma balada pra assitir a Orquestra, gosta de andar até as pernas reclamarem, tem preguiça de filme cult e vê pequenos detalhes onde os outros enxergam cotidiano. E, acima de tudo, está cansada de tanto assustar e afastar as pessoas, cansada de esperar vidas se resolverem por uma promessa de futuro e ficar pra trás mais uma vez.

Quem vai cuidar da Menina triste? Quem vai levar de prêmio seu amor? Quem tem coragem de assumir o desafio e o coração pesado? Apostem suas moedas, esperem o próximo capítulo. Enquanto isso, a Menina também espera, e esperar dói.

sábado, 26 de março de 2011

(..)Me restou a consideração que você guardou por mim. Sua ligação depois, quando me encontra. Sua mão estendida. Sua lamentação pela vida como ela é. Sua gentileza disfarçada de vergonha por não gostar mais de mim. A maneira que você tem de pedir perdão por ser mais um cara que parte assim que rouba um coração. Você é o mocinho que se desculpa pelo próprio bandido. Finjo que aceito suas considerações mas é apenas pra ter novamente o segundo. Como o segundo do meu nariz na sua nuca quando consigo, por um segundo, te abraçar sem dor. O segundo do seu nome na tela do meu celular. O segundo da sua voz do outro lado como se fosse possível começar tudo de novo e eu charmosa e você me fazendo rir e tudo o que poderia ser. O segundo em que suspiro e digo alô e sinto o cheiro da sua sala. Então aceito a sua enorme consideração pequena, responsável, curta, cortante. Aceito você de longe. Aceito suas costas indo. Aceito o último cacho virando a esquina. O último fio preso no pé da minha cama. Não é que aceito. Quem gosta assim não come migalhas porque é melhor do que nada, come porque as migalhas já constituem o nó que ficou na garganta. Seus pedaços estão colados na gosma entalada de tudo o que acabou em todas as instâncias menos nos meus suspiros. Não se digere amor, não se cospe amor, amor é o engasgo que a gente disfarça sorrindo de dor. Aceito sua consideração de carinho no topo da minha cabeça, seu dedilhar de dedos nos meus ombros, seu tchauzinho do bem partindo para algo que não me leva junto e nunca mais levará, seu beijinho profundo de perdão pela falta de profundidade. Aceito apenas porque toda a lama, toda a raiva, todo o nojo e toda a indignação se calam para ver você passar.

sexta-feira, 25 de março de 2011

O e-mail que eu não mandei

E desta vez, é pra você!

Porque sinceramente, não entendo mais nada.
Fique como sempre em silêncio, matando-me de agonia!
Seu silêncio me incomoda, mas você com o teu jeito inabalavel, me abalou, me deixou estremecida, e até o mais oculto do seu silêncio me melhora.
Mania besta que eu tenho de insistir, mas sei lá, você me faz fazer isso.

Tem uma parte em mim que grita desesperadamente: Continua, insiste.

Esta parte idiota que te grita, que clama por ti é algo meio estupido sem razão, que esta me fazendo escrever tudo isso aqui.


Meu coração teme perder a lembrança mais sublime da vida dele que é você, este ser tão.. tão VOCÊ!
Quando comecei a escrever pensei em milhões de coisas, mas conforme fui escrevendo, fui pensando em você, e aqui estou eu toda babona e doce!


É você me deixa assim! Você me desarma apenas em um pensar, você arranca as pedras de minha mão, e tudo o que eu achava que era, não é nada, porque você me transforma.


Eu queria que você descobrisse meus misterios, desvendasse meus segredos, porque você, eu deixaria .. sei lá porque mais deixaria.


Queria que você me falasse da sua vida, da vez que perdeu seu dente de leite, que brigou na escola, ou do jogo de futebol que você participou ... queria conhecer você, queria te desvendar também.. mas você é um impecilho, não me deixa passar da linha limite.


Mas quer saber? Azar! Azar seu!


Azar seu por perder alguém bocó o suficiente pra amar alguém.
Azar seu por estar perdendo alguém que luta pelo que quer, que tem qualidades mil.
É isso ae! Tenho qualidades mil, e azar foi teu que não viu!

quinta-feira, 24 de março de 2011

As pessoas acham que a alma gêmea é o encaixe perfeito, e é isso que todo mundo quer. Mas a verdadeira alma gêmea é um espelho, a pessoa que mostra tudo que está prendendo em você, a pessoa que chama sua atenção para você mesmo para que você possa mudar a sua vida. Uma verdadeira alma gêmea é provavelmente a pessoa mais importante que você vai conhecer, porque elas derrubam as suas paredes e te acordam com um tapa. Mas viver com uma alma gêmea pra sempre? Não. Dói demais. As almas gêmeas só entram na sua vida para revelar a você uma outra camada de você mesmo, e depois vão embora.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A felicidade brilha, resplandece no vocabulário. Tem lugar garantido no dicionário, nos sonhos, nos projetos de vida. Sempre pensamos na felicidade como um dia, e não no dia em que nos encontramos e a paixão nos dilacerou. A gente esquece do valor das coisas. Mas eu não vou te esquecer, uma conquista deve ser guardada, pode ser uma pessoa inteira, pode ser um minuto em que os olhos se cruzaram. Cada um sabe o que é valioso para si.

O que conquistei de você me pertence.

terça-feira, 22 de março de 2011

Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

sexta-feira, 18 de março de 2011

O que você nunca vai saber

Não pretendo te contar sobre minhas lutas mentais. Você terá nas mãos minha simplicidade e minha leveza, que podem não ser totalmente verdadeiras, mas foram criadas com muito carinho pra não assustar pessoas como você. Não vou ficar falando sobre a complexidade dos meus pensamentos, minha dualidade ou minhas dúvidas sobre qualquer sentimento do mundo. Vou te deixar com a melhor parte, porque eu sei que você merece. Guardo pra mim as crises de identidade e a vontade de sumir. Não vou dissertar sobre minhas fragilidades e minhas inseguranças. Talvez eu te diga algumas vezes sobre minha tristeza, mas só pra ganhar um pouquinho mais de carinho. Ofereço meu bom humor e minha paciência e você deve saber que esta não é uma oferta muito comum.

Se você tivesse chegado antes, eu não teria notado. Se demorasse um pouco mais, eu não teria esperado. Você anda acertando muita coisa, mesmo sem perceber. Você tem me ganhado nos detalhes e aposto que nem desconfia. Mas já que você chegou no momento certo, vou te pedir que fique. Mesmo que o futuro seja de incertezas, mesmo que não haja nada duradouro prescrito pra gente. Esse é um pedido egoísta, porque na verdade eu sei que se nada der realmente certo, vou ficar sem chão. Mas por outro lado, posso te fazer feliz também. É um risco. Eu pulo, se você me der a mão.

Você não precisa saber que eu choro porque me sinto pequena num mundo gigante. Nem que eu faço coisas estúpidas quando estou carente. Você nunca vai saber da minha mania de me expor em palavras, que eu escrevo o tempo todo, em qualquer lugar. Muito menos que eu estou escrevendo sobre você neste exato momento. E não pense que é falta de consideração eu dividir tanto de mim com tanta gente e excluir você dessa minha segunda vida, porque há duas maneiras de saber o que eu não digo sobre mim: lendo nas entrelinhas dos meus textos e olhando nos meus olhos. E a segunda opção ninguém mais tem.

quarta-feira, 16 de março de 2011

O amor mais bonito

No instante que me iludo, é quando você me esquece. Quando volto à tona, você mergulha nos meus olhos. Se eu te roubo rosas vermelhas, você faz "bem-me-quer". Quando hesito, é quando você já está na estrada.
Se me perco no teu beijo, você fica tentando encontrar um caminho. Quando me encho de receio, você me diz estar pronta. Eu te ponho em xeque-mate, você me diz que cansou de jogar. Quando não quero me machucar, você me telefona no meio da noite.
Eu vejo o sol nascer no mar, você se preocupa em não molhar os pés. Quando eu não durmo, é quando você sonha loucuras sobre nós dois. Quando sinto teu gosto na minha boca, você pede economia nos clichês. Se não quero parecer patético, você se diz um poema apaixonado.
Eu quero parar o tempo, você procura seu relógio embaixo da cama. Quando me escondo, é quando você me quer em cima de você. Se apresso meu passo na sua direção, você engata a marcha ré. Quando reuno meus pedaços, você dá o coração para bater.
Eu deito no seu colo, você se preocupa em fechar a janela. Quando me poupo, é o instante que você se dá de graça. Se ando em alta velocidade, você conta os níqueis pro pedágio. Eu perco as chaves, você insinua mudar pro meu apartamento.
Um amor físico, fatídico, real, raro e patente. Um amor que nasceu, mas nunca viveu. Um amor que aconteceu, mas não foi ocupado. Daquelas comédias românticas que ninguém tem tempo de rir, pois já começa pelo final. Os amores mais bonitos são aqueles que nunca foram usados.
“Um telefone ao alcance da mão,
Um número decorado na cabeça
E uma aflição no coração.
É aí que mora o perigo…”

terça-feira, 15 de março de 2011

música ~

Abelha- João Bosco e Vinicius (part. Jorge e Mateus)

Como pode, chegou em pouco tempo
Suave como o vento, me deixou assim
Como pode, mas veloz que o pensamento
Dominou meu sentimento, fez parte de mim

Mas seus pensamentos são maus
Você só pensa em vingança
E a sua segurança é dominar

Eu já não suporto mais sofrer
Quero viver
Arruma outro pra envenenar

Como uma abelha pousa numa flor
Mansa, você chegou me dando amor
Como uma abelha ferroou meu coração
Deixou saudades e o veneno da paixão


(Não pude deixar de postar essa música linda e perfeita! *-*) Para quem quizer baixar e ouvir: http://www.4shared.com/audio/FJMblb_k/Joo_Bosco_e_Vinicius_-_Abelha_.html

segunda-feira, 14 de março de 2011

para eles

Escrevo para você, que acha que entende tudo de sexo. Você pensa que sabe lidar com todas as mulheres. Pois eu digo: não sabe, não, seu bobalhão. Pensa que é esperto, só por que tem anos de revistas de mulheres peladas nas costas, multiplicados por anos de videozinhos pornográficos ,somados a anos de trepadas de uma noite.Para começar, esqueça aquele papo de que mulher adora palavrinha de amor antes de transar. Para levar uma mulher para cama você não precisa ser romântico. É claro que mulheres amam pequenas delicadezas, velas aromáticas, massagens com óleos e flores, mas toda mulher adora uma palavra firme, um sussurro, uma baixaria dita baixinho no ouvido, pegada forte e segurança. Homem tem que ser homem. Entende essa frase? Não somos o sexo frágil, não. E queremos – de verdade - que vocês mostrem o quanto são fortes. Não é para dar soco, tapa e chute, sexo não é luta livre. Mas aposte numa boa puxada de cabelo e total virilidade.A socióloga Camille Paglia disse uma frase que acho ótima (em resposta a todo esse movimento para transformar os homens em pessoas cheias de nhéin nhéin nhéin): “Eu diria para os homens: fiquem de pau duro! E para as mulheres: lidem com isso!”. Toda mulher quer um pau duro. Duro, não, beeeeeeem duro. O pau duro para a mulher é um troféu, uma prova de que ela é poderosa, excita o homem, enlouquece o cara que está com ela, é a prova de que naquele momento é a única criatura capaz de fazer com que o pau fique duro. Bem duro.Como eu já falei outras vezes, as mulheres querem ser únicas até o fim. Somos criadas para isso. Crescemos ouvindo a Cinderela, que tinha o príncipe. E é claro que a Cinderela encantou o príncipe. Somos criadas para encantar, somos feitas para atrair o sexo oposto. Somos bichos, queremos um pau duro. Queremos deitar e rolar com o pau duro. Queremos nos aproveitar do pau duro. Queremos mostrar para o mundo todo que somos capazes de deixar um cara aos nossos pés. E de pau duro. Insisto no pau duro, pois ele é a representação mais do que clara de que somos realmente irresistíveis.Achou distante essas afirmações? Qual a primeira pergunta que uma mulher faz quando você não transa mais com ela? Você está me traindo? Está comendo outra pessoa? Perdeu o tesão por mim? Perdeu o interesse? NÃO ME AMA MAIS? É exatamente isso: se o cara não manifesta mais nenhum tipo de tesão, a mulher pensa que o amor acabou. Por quê? Porque queremos um homem sempre de pau duro. O pau duro representa, além de vontade, desejo, amor. Sabe por quê? Porque se vocês dois se beijam, se abraçam, riem, se divertem, dançam juntos, contam segredos, andam de mãos dadas, mas não trepam, a mulher nunca pensa que é uma fase (sim, temos fases. Uma hora transamos mais, em outras menos), e sim QUE VOCÊ NÃO AMA, QUE NÃO QUER MAIS, QUE ACHOU OUTRA. Sempre relacionamos uma coisa com a outra. Mesmo que as duas coisas nunca tenham se cruzado na vida.Uma mulher quer ser admirada. Notada. Vista. Despida. Com os olhos, com as palavras, com a boca, com os dedos, com tudo. Muito elogio, muita admiração, muito olho no olho, muita sacanagem no ouvido. É isso que uma mulher quer. A gente não quer só tirar a roupa e partir para o sexo. A gente quer carícia, beijo no pescoço, baixaria, puxada de cabelo, ousadia, proposta indecente. É isso: indecência. Amor e indecência. Não necessariamente nessa ordem.Você, que acha que entende tudo de sexo, preste bem atenção: você não sabe nada. Homens e mulheres são diferentes e todos nós sabemos disso. Homens são mais visuais. Mulheres se excitam com palavras, mãos, gestos e um fantástico sexo oral. A maior parte dos homens se acha mestre nessa arte, mas, cof, cof, desculpem, vocês não sabem de nada. Neste caso, a pressa é INIMIGA MORTAL da perfeição. A força não é bem-vinda. Tenha jeito. Muito jeito. Treine com um pote de iogurte, se for o caso. Mas treine. Treine muito. Um bom sexo oral desarma qualquer mulher. Ficamos completamente desnudas. Em todos os sentidos. E aí, meu amigo, podemos realizar todas, todinhas as suas fantasias.

sábado, 12 de março de 2011

Jogador

Estou perdida em meio a um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Confusa entre querer e não querer. Entre poder e não ter. Começo a ficar irritadiça, como se eu tivesse medo de apanhar para mim essa responsabilidade. Ah, o amor. O amor existe de várias formas, mesmo sem ser percebido ele está sempre presente em minha vida. Mesmo negado. Mesmo com a duração de um suspiro. Contudo, exigente que sou, penso sempre em abandoná-lo. Sou fraca e não suporto. Sou forte e o engano. Talvez ele não seja para o meu bico e eu o troco sempre de corpo, de rosto, de cama.
Outro dia me peguei rabiscando um nome no caderno: “mas não é possível”, me recriminei na mesma hora. O que eu penso que estou sentindo. Declarar não é permitido. Que se chafurdem os outros nessa lama prazerosa, sem fundo, que não dá pé nem para mim e nem para ninguém. Eu prefiro não me meter com o que eu não conheço.
Fecho os olhos. A ansiedade já cortou todas as minhas unhas. A sala está vazia e o dia lá fora brilha. Eu estou tentando mudar o foco do meu pensamento. Costumava ser boa nisso. Só abrigava pensamentos que me traziam bem estar.
- Qual é o tom?
- O tom do som ou o tom da pele?
- O tom dos olhos!
- Não prometem...
- Mas que diabos, menina. Nem falsas promessas você recebe e está aí, se contorcendo nessa agonia.
- As coisas aconteceram com naturalidade.
- Desde quando?
- Perdi as contas.
- Saia já e vá ver a noite!
Escrevo nessas linhas com esforço. Quero discar o número do telefone que eu sei de cor. Mas não estou com saudade. Não vivo um romance. Não estou participando de um jogo, jogador, entenda isso. Tenho medo de ser rejeitada como um tomate defeituoso. Tenho medo de não me perdoar por poder me mandar hoje e agora e, mesmo assim, querer insistir mais uma semana. Essa não é mais uma história de paixão, é um desabafo. Um texto de não amor. De não espera. Um texto que nasce do estômago. Quero vomitá-lo e ficar livre outra vez.
- Enfia o dedo na garganta!
- Não sei se é a hora. Talvez eu possa desfrutar mais um pouco, talvez, na próxima semana, não seja tarde demais.
- Já é tarde. Você está com os olhos mais bonitos da cidade.
E ele tem o sorriso mais bonito da temporada. Ele tem os olhos verdes e o cabelo mais macio do que o meu. Vezes ele gargalha tão gostoso, parece uma criança. Vezes ele tem uma postura firme e uma voz grossa compatível com os trinta anos que já viveu. Vezes eu tenho vontade de sair correndo porque pela primeira vez eu encontrei um que conhece e joga o meu jogo.
Eu sinto repugnância por ele ser tão esperto. Odeio a sua segurança. Odeio acordar tantas vezes no meio da noite com seus beijos leves e odeio mais ainda quando ele, segurando as minhas mãos enquanto dorme, cola o nosso corpo despido, porque esse gesto é excessivamente romântico e isso não é um romance. Odeio quando mulheres peitudas o olham desavergonhadamente e então ele me puxa para perto dele pela cintura, como quem diz que não é só, porque isso me faz sentir ridícula e feliz. Odeio a família dele por ser super simpática e ter me acolhido tão bem. Odeio o fato de eu ter passado os últimos quatro finais de semana na sua casa com minha trouxinha de roupa e ainda achar que preciso de mais um mês pra colocar um fim nesse não namoro.
Onde agora? Onde? Olho esse retrato e quero saber se perdi minha segurança nas suas pernas ou nas suas palavras. Ainda sequer sei quem aqui dá as cartas. Como seu charme se chama?


Ê, jogador, ou eu te conquisto ou você me devora.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Não me Peçam Razões

Não me peçam razões, que não as tenho,
Ou darei quantas queiram: bem sabemos
Que razões são palavras, todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos.

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito,
Este estar mal no mundo e nesta lei:
Não fiz a lei e o mundo não aceito.

Não me peçam razões, ou que as desculpe,
Deste modo de amar e destruir:
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir.

quinta-feira, 10 de março de 2011

A resposta as vezes perde a hora

Vem cá. Chega mais perto. Sente? Diz que sim, vai. Tem que chegar bem perto, perto a ponto de ouvir o tum-tum do coração, a respiração, o calor do corpo aquecendo ao redor. Você consegue fazer um esforço e tentar olhar para o que passou sem alguma mágoa? O rancor trava a gente, faz qualquer tipo de saudade perder o ônibus, o prazo, o sentido. Não quero, não pode. A gente sentiu amor por um segundo. Era, não era? Diz pra mim, fala assim, devagar, olhando no meu olho, afastando a decadência injusta do fim.
Amor, essa palavra desconhecida. Naquela hora, era. Amor, essa palavra que todo mundo quer pegar no colo e ninar. Naquela hora, era. Amor, essa palavra que gosta de sair sem maquiagem e salto alto. Naquela hora, era. Amor, essa palavra que é pureza, verdade. Naquela hora, era. Amor, amor. Era, não era?
Tive medo de ficar perto, bem perto assim. Perto a ponto de ouvir o tum-tum do coração, a respiração, o calor do corpo aquecendo ao redor. Medo, essa palavra que anda junto com o amor. Naquela hora era, era medo, era amor. Naquela hora era ilusão, essa palavra que fica na frente do amor, a guarda-costas do amor, se vier uma bala perdida, tum, acerta a ilusão. Naquela hora era pra ser amor, então ele tinha que ficar vivo.
Ficou um vazio de repente. Se era pra ser amor, se ele tinha guarda-costas, se sobreviveu, era pra ter resistido, não era? Por que o vazio intenso e doído? Por que a sensação de ter caído do décimo quinto andar? Por que, se era amor? Não era? O vazio deu lugar a uma ânsia de vômito, um embrulho que fazia o mundo girar rapidamente. Porque perdemos tanto tempo numa coisa que nunca foi. O amor não questiona, ele é.

quarta-feira, 9 de março de 2011

- Devíamos ter mais opções de escolha.
- Como assim?
- Escolher de quem gostar, por exemplo...
- Isso não dá.
- E se desse, o que você faria?
- Ainda assim escolheria você.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Certezas que fogem

Quer ouvir uma verdade? Tem coisa que machuca a gente de um jeito intenso e que, ao invés de melhorar, faz arder e queimar, deixando em carne viva. Uma das coisas mais importantes para mim é enxergar o outro. Antecipar as necessidades, talvez. Seja com um carinho, um beijo, uma palavra, uma atitude, um abraço, um silêncio, um grito. Até mesmo um berro é importante, tirar de dentro o que corrói os sentimentos, se expor, demonstrar, fazer. O tempo passa, as coisas vão se ajeitando, tudo vai sendo esquecido e o egoísmo impera. Não sou a toda poderosa, também sou egoísta. Mas procuro, até demais, olhar para quem está ao meu lado e tentar entender o que acontece dentro da pessoa. Profunda? Sim, muito. É tanta profundidade que cansa, me cansa, te cansa, cansa o universo. No meio disso, tento ser mais rasa, mas descubro que sentimento tem que ser profundo, senão não sobrevive.
Seria um erro esperar mais? Mais compreensão, mais doação, mais paciência, mais cuidado com o que sai da boca, mais emoção, mais verdade e menos palavras soltas e fogo de palha. Era para ser tão simples, afinal, a vida não é difícil como dizem nos livros. O ser humano não é tão complexo quanto alguém inventou um dia. Somos bichos, não somos? Agimos por instinto, fico me perguntando: será que é uma pena termos sentimentos? Porque somos julgados a toda hora por isso, por sentir. Por ser. Por amar. Não sei se eu sei amar direito. Talvez não saiba, mas existe uma forma certa, um jeito certo de amar? Talvez fosse melhor não ser tão inteira. Mas eu seria eu? Talvez, talvez eu fosse um eu-sem-sentimentos. Tudo se resolveria, estaria aí a grande chave para a felicidade? Não ter sentimentos, apenas deitar nos embalos divertidos da vida, sem responsabilidades, sem prestar contas com a consciência, sem nada de nada: apenas diversão, sorrisos, alegria. O que me faz bem permanece comigo, o que é ruim eu tento sufocar e se não der, babaus, jogo no lata de lixo mais próxima. Fim.
Quer me magoar? Diga que não sabe, adie, esqueça, diga que não tem certeza. Eu descobri: palavra para mim é coisa quase sagrada. Não que eu seja santa e imaculada, não que você seja sujo e imprestável. Mas procuro pensar bem antes de machucar. Prefiro ter conversas sérias olhando no olho. Prefiro entender que se algo é importante para você, vamos resolver, vamos falar sobre isso. As coisas não se resolvem pegando só o lado bom. A vida não é uma garrafa de Coca-Cola ("viva o lado bom da vida"). A vida, muitas vezes, é uma garrafa de uísque bem xexelento.
Tem gente que confunde as coisas. Não sou uma boneca, a gente não vai brincar o tempo inteiro, não posso ir para o quartinho de brinquedos, não pode me guardar no armário, não dá para me colocar na estante e pegar quando quiser. Eu também confundo as coisas. Ninguém sente igual a mim, ninguém gosta de tudo muito claro e transparente, às vezes as pessoas só querem viver. Sem porquês. E eu penso: por que questiono tanto? Não seria mais fácil ficar quieta e nadar de acordo com as ondas? Pode ser. Mas não consigo prender a respiração por muito tempo.

sábado, 5 de março de 2011

Isso não é amor, menina

Apesar da gente nunca ter namorado ou casado ou feito planos, hoje completamos oito anos juntos. Se nosso primeiro encontro não tivesse se dado numa data tão conhecida, jamais saberíamos. Nunca contamos o tempo ou demos nomes aos nossos sentimentos de compromisso. Simplesmente tudo se desenrolou sem drama ou pedido ou conjecturações ou vingança. Foi e foi e foi. Aquilo que dizem sobre o que é pra ser. Simplesmente fomos e continuamos sendo. Quem diria que um dia eu seria tão feliz a ponto de não contar ou reduzir sensações a palavras? Mas é isso, sou feliz com você. Sem esforço e mesmo sendo, muitas vezes, bem infeliz. Sou feliz. Não faz muito tempo nos mudamos pra essa casa maior. A cama gigante que sempre cabe mais gente quando a noite dá medo no vizinho de quarto. O jardim, o quartinho dos brinquedos e livros, a janela do lavabo que tem a melhor vista da casa. As figurinhas coladas perto do rodapé parecendo um cineminha de forminhas, os coquinhos destruídos na garagem, a casinha termômetro que você me deu porque eu disse que lembrava meu avô. Daqui, deitada nesse ângulo quase indecente, vejo você, safado, acender seu cigarro de domingo e me olhar sabendo que, inexplicavelmente, justo eu, te aceito seja lá como for. Você, idem. Não fomos fáceis a nada e nem a ninguém, mas cá estamos. Sem a comemoração deslumbrada e terrivelmente curta do amor e por isso mesmo podendo celebrar o pouco cabível de cada instante. E por isso mesmo, vai ver, amando. Sabemos tanto que é amor que nem parece aquele coisa que dizem: amor. A-m-o-r. Ah, deve ser. Mas não o que um dia quisemos tanto e por isso mesmo afastamos, mas o que podemos e por isso mesmo nos soa tão possível. Sei que parece óbvio, mas só agora. E eu continuo nessa pose quase indecente, retardando a vontade do xixi e do banho, olhando você e querendo apenas um presente pra comemorar nossos oito anos juntos. Olhando seu ombro que eu curto tanto desde o primeiro segundo. Seu pé direito retesado e tão diferente do esquerdo sempre relaxadão.
A sua mania de entregar um pouco mais de cofrinho do que permitido, quando concentrado e um pouco curvado. Vai começar a chover e eu posso chorar. Hoje completamos oito anos juntos e eu só queria um presente. Voltar no tempo, me encontrar e chacoalhar meu corpo. Aquela época em que eu já estava quase cínica mas ainda acreditava em um relacionamento com todas as forças do mundo. Porque quanto mais cinismo e cansaço, mais força fazemos e mais forte parece. Eu queria me chacoalhar e dizer que ele existe, sim, o tal do amor, mas você, querida, não sabe ainda nada disso. Isso que você acha que é amor, menina, não passa nem perto. Eu me faria uma visita naquele apartamentinho pequeno e cheio de tentativas de charme e maturidade. E diria pra mim o que ninguém, sabe-se lá porquê, foi capaz de me dizer numa época tão necessária e quase triste. Época de tentar de tudo pra chegar perto do que, um dia, simplesmente acontece mesmo a gente achando que só funciona para os disciplinados na cultura da imbecilidade. Esse povo estranho que divide armário e sorriso de foto. Eu diria: menina, amar a dúvida, o silêncio, a ingratidão, o fim, o atraso, a invenção, a lacuna, o pode ser, as hipóteses, a não resposta, a raiva, o absurdo, o não, a impossibilidade, o depois que foi, o antes de chegar, o difícil, o pode não, amar essas coisas, menina, é amar o mistério e não um homem. Amar um homem não é o telefone que não toca, é o telefone que toca e ele tá daquele jeito que te irrita justamente porque está irritado com você e você desliga logo e ele liga de novo e vocês morrem de rir. Ah, e aí vai dando certo. Foi e foi e foi e cá estamos. Você apaga o cigarro de domingo, a luz e some. Eu escrevo esse texto na mente, tomo banho e me chacoalho. Daqui a pouco a gente, sem se dar conta de plurais e segredos, se encontra no corredor e decide o que faz do resto do dia.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Apenas isso

Perdi o gosto bom das coisas, ela disse no começo da manhã. Fiquei pouco atônita, pouco pensativa, como assim? Perdi, ela disse. No final do dia, depois de horas de trabalho, alguma desilusão, dor nas costas por passar mais de oito horas sentada, o corpo doido por uma água morna, os pés implorando uma pantufa cheia de aconchego, a barriga pedindo por favor uma comida boa e honesta, o coração pulando em busca de um porto, eu entendo. Entendo o gosto dilacerado ou perdido ao longo do dia. Mas uma manhã como essa, pura e nova e fresca e tão azul, de um azul bonito e quente, um azul vivo e limpo, não sei.
O dia em que você perder tudo, vai saber. Foi isso que ela me falou antes de girar os calcanhares e sair pela porta, cabeça baixa procurando formigas nos cantinhos do corredor da sala, peito arranhado, olhar cheio de lodo e interrogações. Minha razão deu um suspiro imenso ao ver a cena. Perder tudo, mas o que é tudo? Lar, família, trabalho, amigos, vontades? Não. Ela estava se referindo aos sentimentos nobres, pensei. Mulher quando perde o gosto bom sei bem o que é: desilusão. O que dói em geral nem é a perda da pessoa em si, mas da imagem que a gente fazia da tal pessoa. Vira um tumulto emotivo, nossas inquietações cutucam e provocam.
Ruim mesmo é um dia a gente perceber que amou e gostou e quis sozinho. O outro era apenas um reflexo das nossas aspirações. O outro, no fim, existia apenas dentro de nós. É por isso que o tempo faz com que todas as lembranças sejam boas, doces. E deve ser por isso que quando a gente finalmente desperta acaba perdendo o gosto bom das coisas.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Quem ama inventa

Quem ama inventa as coisas a que ama...
Talvez chegaste quando eu te sonhava.
Então de súbito acendeu-se a chama!
Era a brasa dormida que acordava...
E era um revôo sobre a ruinaria,
No ar atônito bimbalhavam sinos,
Tangidos por uns anjos peregrinos
Cujo dom é fazer ressurreições...
Um ritmo divino? Oh! Simplesmente
O palpitar de nossos corações
Batendo juntos e festivamente,
Ou sozinhos, num ritmo tristonho...
Ó! meu pobre, meu grande amor distante,
Nem sabes tu o bem que faz à gente
Haver sonhado... e ter vivido o sonho!

terça-feira, 1 de março de 2011

Estranho é que não
escolhi. Não consigo precisar o momento em que escolhi. Nem isso, nem
qualquer outra coisa, nem nada. Foram me arrastando. Não houve aquele
momento em que você pode decidir se vai em frente, se volta atrás, se
vira à esquerda ou à direita. Se houve, eu não lembro. Tenho a impressão
de que a vida, as coisas foram me levando. Levando em frente, levando
embora, levando aos trancos, de qualquer jeito. Sem se importarem se eu
não queria mais ir. Agora olho em volta e não tenho certeza se gostaria
mesmo de estar aqui. Só sei que dentro de mim tem uma coisa pronta,
esperando acontecer, o problema é que essa coisa talvez dependa de uma
outra pessoa para começar a acontecer.

- Toque nela com cuidado, Senão ela foge.

- A coisa ou a pessoa?

- As duas.